Por que?

Mudanças culturais são difíceis e envolvem grandes esforços por parte de todos os envolvidos. No entanto, momentos de crise trazem desafios e oportunidades de transformação e inovação, mesmo em processos que parecem funcionar.

A história da cirurgia registra seus primórdios há milhares de anos, sendo inúmeras as evidências históricas de procedimentos mais ou menos bem-sucedidos e de complexidades variáveis.

Como via de regra, a atuação dos cirurgiões dava-se no domicílio do doente, em praças públicas e muito raramente em universidades.

Segundo Foucault, os hospitais tal como hoje conhecemos, não existiam até há poucos séculos. Apenas a partir da expansão da navegação (e assim, a ameaça de epidemias em cidades que começavam a expandir seus núcleos urbanos) surgiu a necessidade de controles sanitários mais efetivos, que protegessem as populações urbanas de doenças muitas vezes importadas, outras advindas de condições de vida muito precárias.

Os primeiros hospitais mais se assemelhavam a obras de caridade, geridos por religiosos e leigos, onde médicos raramente poderiam ser encontrados. As demais profissões da saúde como conhecemos hoje simplesmente não existiam.

Na transição dos séculos XVIII e XIX, grandes desenvolvimentos e transformações na prática médica trazem aos hospitais uma posição central na perspectiva do cuidado.

Passaram então a ser os locais primordiais de tratamento, cura e formação dos profissionais de saúde.

Com o tempo, diversas atividades tradicionalmente domiciliares passaram a ser consideradas hospitalares. É o caso dos partos e das cirurgias.

No entanto, a naturalização da posição central do hospital como espaço único do cuidado cirúrgico (e obstétrico) traz em si uma série de contradições importantes, que precisam ser debatidas. Acompanhamos a transformação dos pequenos hospitais de anos atrás em grandes complexos, talhados para o atendimento de alta complexidade (e custo): transplantes de órgãos, cirurgia robótica, atenção ao paciente oncológico. Nestes espaços, caras estruturas de apoio são indispensáveis: UTIs, grande farmácias centrais e almoxarifados – onde vastos estoques de materiais e medicamentos precisam ser mantidos e geridos – refeitórios, lavanderias, centros administrativos. Ainda que apenas um pequeno percentual de todos os pacientes necessitem de várias destas estruturas, como UTIs e robôs, por exemplo. E por tudo isto, mesmo um pequeno hospital costuma ter cerca de dez funcionários para cada leito ativo.

O gigantesco salto de custos da atenção à saúde observado nas últimas três décadas não significou necessariamente melhores desfechos clínicos para os pacientes ambulatoriais (ou que deveriam sê-lo).

Por outro lado, tal aumento de custos implica em limitação de acesso dos pacientes aos recursos de saúde, nos âmbitos público e privado. Seja por oferta escassa de recursos, seja por limitações de cobertura. O resultado é a não satisfação das necessidades de saúde de parte da população, judicialização para obtenção de acesso ou filas de espera para procedimentos.

Além destes aspectos, é preciso salientar que hospitais são grandes estruturas centradas em suas próprias necessidades, mais que nas dos pacientes. Suas rígidas rotinas muitas vezes não levam em conta as necessidades e peculiaridades dos pacientes, que devem moldar-se à forma de trabalhar do hospital e suas equipes, raramente o contrário. Pode-se, por exemplo, prescrever um determinado tipo de dieta, como com restrições de sal, carboidratos, resíduos alimentares ou gordura. Mas dificilmente um paciente consegue escolher o cardápio para o jantar ou mesmo o horário em que a refeição será servida, mesmo dentro das orientações da prescrição médica.

De modo semelhante, imaginemos um paciente jovem, sem comorbidades e submetido a um procedimento de pequena monta – que tenha sido internado apesar de que poderia ter sido enviado ao seu domicílio. Provavelmente este paciente teria seu sono interrompido algumas vezes pelo pessoal da enfermagem, para checar sinais vitais. Afinal, estão habituados a percorrer a enfermaria em horários fixos, segundo indica a rotina.

Sabemos que hospitais são necessários em diversas situações. Mas é preciso determinar quanto de cuidado hospitalar deve ser oferecido a cada paciente. Em outras palavras: é preciso que o paciente esteja no centro da cadeia de cuidados. É necessário que seja ouvido, que possa opinar e decidir. É fundamental que as equipes de saúde estejam à sua disposição e não o contrário. É inerente ao modelo da Cirurgia Ambulatorial a humanização, um modelo que envolve o paciente e seu cuidador (ou familiares) e toda a equipe de saúde.

Em suma, por que optar pela cirurgia ambulatorial?
  • Porque evita internações desnecessárias, possibilitando ao paciente retornar no mesmo dia ao seu domicílio, bem como recuperar-se com assistência da equipe de saúde;
  • Porque estreita os laços entre o paciente e seu entorno familiar, ao envolver um cuidador como parte fundamental do processo de retorno ao domicílio;
  • Porque evita infecções hospitalares, adquiridas em geral pela manipulação das equipes de saúde, envolvidas nos cuidados simultâneos com muitos pacientes internados;
  • Porque reduz o risco de aquisição de doenças transmissíveis, como nas aglomerações nos setores de internação;
  • Porque racionaliza e reduz custos no caso de procedimentos ambulatoriais, permitindo que as estruturas hospitalares possam ser ofertadas aos pacientes que delas necessitam;
  • Porque ao reduzir e racionalizar custos, permite que sistemas de saúde públicos e privados possam aumentar sua oferta de serviços, democratizando o acesso aos cuidados em saúde;
  • Porque ao aumentar e democratizar a oferta de serviços cirúrgicos nos âmbitos público e privado, reduz os custos e desgastes das judicialização em saúde;
  • Porque possibilita a humanização do cuidado em saúde, ao colocar o paciente e suas necessidades no centro de toda a cadeia de cuidado;
  • Porque privilegia o trabalho em equipe dos profissionais de saúde, sendo todos vinculados ao paciente e seu cuidador antes, durante e depois do procedimento;
  • Porque possibilita segurança, eficiência, qualidade e rapidez na atenção.